sábado, 20 de maio de 2017

WENDY KOPP

Uma missionária da educação - Veja entrevista
Entrevista com: WENDY KOPP

[André Petry de Nova York]

Ela nunca deu aula nem estudou pedagogia, mas lidera uma revolução nas escolas que começou há mais de duas décadas nos EUA e está agora em outros 25 países


WENDY KOPP

Quando estava no último ano da Universidade Princeton, Wendy Kopp teve uma ideia que a todos pareceu maluca. Ela se propôs a recrutar alguns dos mais brilhantes universitários recém-formados e colocá-los para dar aula nas escolas mais miseráveis dos Estados Unidos. Apostou-se que ela conseguiria convencer algumas dezenas. Wendy queria 500. Conseguiu 2500. Assim começou o Teach for America, que hoje tem 10.400 professores lecionando para 750.000 crianças americanas.

Com o nome de Ensina!, o programa chegou a outros 25 países, entre os quais Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru. No Brasil, ele emperrou. Na sala onde deu entrevista a VEJA, há uma mensagem na parede: "Acredite nas suas ideias malucas".

A senhora já disse que, se tivesse experiência em educação, não teria criado o Teach for America. Por quê?
Wendy Kopp: Quando estava me formando em Princeton, no fim dos anos 80, sentia uma urgência em criar algo como o Teach for America. Acho que esse sentimento era nutrido pela minha ingenuidade e inexperiência. Eu não sabia o que era impossível, e toquei em frente. Se soubesse, talvez não tivesse feito o que fiz.

Os universitários que aderem ao programa também são movidos por certa ingenuidade?
Wendy Kopp: Sempre digo que precisamos deles agora, já, quando ainda são capazes de fazer, entre aspas, perguntas malucas, quando ainda são capazes de perseguir aquilo que outros julgam impossível. É ilusão achar que eles podem pegar o diploma, fazer carreira e depois voltar para dar aula aos pobres. Não é assim que funciona.

De onde veio o modelo de recrutar os melhores formandos e despachá-Ios para as escolas pobres por dois anos?
Wendy Kopp: Na minha época de faculdade, o pessoal de Wall Street [centro financeiro dos Estados Unidos] batia à porta dos universitários mais brilhantes para convencê-los a trabalhar por dois anos no mercado financeiro. Eram agressivos no recrutamento. Talvez por isso nossa geração era chamada de "geração eu", porque, aparentemente, só estávamos preocupados em enriquecer. Eu percebia que essa caracterização era equivocada. O clima nas universidades era outro, as pessoas estavam em busca de algo significativo, transformador. Então, pensei em recrutar os melhores, exatamente como Wall Street, e convidá-los a passar os primeiros dois anos fora da universidade dando aula nas comunidades mais pobres do país. Muitos imaginavam que ninguém se interessaria. Deu-se o contrário. Na verdade, o interesse também é imenso em outros países.

Inclusive no Brasil?
Wendy Kopp: Sim. O Ensina! começou no Rio de Janeiro com a ideia de selecionar trinta jovens. Apareceram 2400 candidatos, número retumbante. Conversei com os selecionados. São jovens incríveis, bem formados e talentosas, à altura dos melhores universitários americanos que recrutamos.

Por que o Ensina! foi interrompido?
Wendy Kopp: Logo no começo do trabalho, as circunstâncias mudaram. A prefeitura do Rio não conseguiu garantir que nossos professores dessem aula no horário regular da escola. Então, eles passaram a lecionar depois do horário normal, como se fosse um reforço escolar. Mas esse não é o nosso modelo. Nos Estados Unidos e nos outros 25 países onde atuamos, nossos professores estão na sala de aula regular, assumindo integral responsabilidade pelo sucesso de seus alunos. Por isso, depois de dois anos, o trabalho foi suspenso. Agora o Ensina! está em busca de novas parcerias com estados e prefeituras. Tenho certeza de que o Ensina! será um sucesso no Brasil. É só uma questão de acertar os ponteiros.

Os professores tradicionais ficam incomodados com a chegada de gente sem formação pedagógica para dar aula?
Wendy Kopp: Cada país tem suas peculiaridades. Nos Estados Unidos, quando começamos, em 1989, o primeiro passo foi colocar professores do Teach for America em escolas onde havia falta de professores tradicionais. Agora, temos gente em todos os tipos de escola. Em geral, nossos professores são recrutados através de um processo altamente seletivo, passam cinco semanas em treinamento intensivo e são então colocados nas escolas, contratados pelos governos, São professores assim como os demais.

Entre os recrutados, há formandos em pedagogia?
Wendy Kopp: Qualquer um pode se candidatar, mas não gastamos nossa energia procurando formandos em pedagogia. De todos os nossos professores, cerca de 3% se formaram em pedagogia.

Por que tão poucos?
Wendy Kopp: É evidente que há estudantes fantásticos de pedagogia, mas, na média, eles não representam os universitários academicamente mais promissores. Nosso processo é muito seletivo. Procuramos jovens capazes de exercer liderança excepcional dentro da sala de aula, não importa a faculdade que tenham cursado. Nem sempre esses critérios nos levam ao pessoal da pedagogia. Além disso, o problema é que muitos dos estudantes de pedagogia não querem dar aula nas comunidades pobres, que são o nosso alvo.

A senhora acha que o Congresso americano deveria acabar, ou ser mais flexível, com a obrigatoriedade de certificação de professores?
Wendy Kopp: É uma questão delicada. Por um lado, devemos nos preocupar em aumentar a qualidade dos professores. Por outro, não há correlação entre a exigência de certificação e a qualidade dos professores. Ou seja: gastamos bilhões de dólares em um sistema ineficiente, que exclui muita gente boa da sala de aula. Se estivéssemos criando nosso sistema agora, acho que não optaríamos pelo modelo atual. Deveríamos, em vez de pedir a certificação, apenas exigir que os professores fossem inteiramente responsáveis pelo sucesso dos alunos. Ponto.

Um bom professor nasce ou é criado?
Wendy Kopp: É criado. Procuramos selecionar universitários com certas características. Escolhemos aqueles que acreditam no potencial de todas as crianças, que são incansáveis na busca dos objetivos, que perseveram diante dos desafios, que são capazes de influenciar e motivar os alunos. Mas, além dessas qualidades, eles precisam aprender a trabalhar com crianças e adquirir habilidades e conhecimentos para virar professores mais eficazes, mais decisivos. E tudo isso é ensinado.

O que define um bom professor?
Wendy Kopp: No contexto em que trabalhamos, de escolas em comunidades desfavorecidas, o bom professor é o bom líder. Em nossa rede no Paquistão, há o caso exemplar da professora Anam Palla. Ela recebeu uma turma de sessenta meninas que estavam estudando na cidade para depois voltar para sua comunidade, casar e ter filhos. As garotas cursavam o 1º ano do ensino médio, mas tinham um atraso acadêmico de quatro a cinco anos. Estavam no caminho do fracasso. Anam Palla definiu que seu objetivo seria preparar todas elas para entrar nas melhores universidades, se quisessem. Ela foi incansável. Encontrou-se com os pais das meninas, estabeleceu um regime de trabalho duro. Algumas meninas voltaram para sua comunidade para casar e ter filhos, mas se tornaram defensoras da educação, convencendo outras famílias a mandar as filhas à escola. Outras acabaram nas melhores universidades. O que fez a diferença? Só tenho uma resposta: Anam Palla é uma grande líder.

Qual é a melhor estratégia pedagógica?
Wendy Kopp: Vi tantas que deram certo e tantas que deram errado que hoje acredito no seguinte: é preciso oferecer meios para que professores e diretores assumam responsabilidade integral pelo sucesso acadêmico dos alunos. Eles precisam ter poder, flexibilidade para definir o currículo, decidir como o dinheiro será gasto. Numa situação precária, faz sentido impor um currículo, mas tudo depende de como ele é implementado.

O que acontece com os professores depois de dois anos dando aula?
Wendy Kopp: A experiência de ensinar em comunidades de baixa renda não tem impacto apenas nas crianças, mas também nos professores. Depois dos dois anos regulares, entre 60% e 70% dos professores estabeleceram-se na área da educação como professores, diretores de escola, formuladores de políticas de educação. Na Índia, ninguém acreditava que os universitários se interessariam pelo programa. Tivemos 11.000 candidatos no primeiro ano, em 2008, e 70% seguiram na área da educação. Nos Estados Unidos, em pouco mais de vinte anos, 37000 deram aula e 80% têm hoje empregos relacionados à educação. Lembre-se: a quase totalidade desses jovens brilhantes não era da área de educação.

A taxa de retenção também é alta no meio rural?
Wendy Kopp: É menor, mas significativa. Há pouco, visitei o Delta do Mississippi,  onde atuamos há duas décadas. Helena, uma comunidade muito pobre no Arkansas, além da tradicional escola de ensino médio que sempre teve, hoje conta com mais quatro escolas, todas dirigidas por ex-membros do Teach for America. Antes, 5% das crianças de Helena iam para a universidade. Hoje, todas estão no caminho do ensino superior. Perguntei à comunidade o que havia mudado nesses vinte anos. As pessoas disseram: a expectativa em relação às crianças. Um jovem contou que, em 1994, eram raros os estudantes que faziam o teste para a universidade e, quando tiravam 17, 18 ou 19, era uma festa. Agora, o sobrinho dele, que ainda está no 2° ano do ensino médio, fez o teste, tirou 24 e eles querem saber como fazer para que ele chegue a 28 e possa entrar em qualquer universidade. Seis crianças de Helena entraram na Universidade Vanderbilt neste ano.

Onde a presença do Teach for America fez mais diferença?
Wendy Kopp: Por muitos anos, Nova Orleans foi considerada a cidade mais complicada do país. Nada parecia funcionar. Depois do furacão Katrina, veio à tona a dramática realidade das escolas. Crianças do 8° ano tinham o mesmo nível das do 2° ano. Um desastre. Em cinco anos, o porcentual de crianças que atingem o padrão exigido pelo estado mais do que dobrou. Cerca de 40% dos diretores de escola são ex-membros do Teach for America. O atual secretário de Educação de Louisiana também pertenceu ao nosso programa.

Já é possível avaliar o impacto do programa em outros países?
Wendy Kopp: Estamos há dez anos na Inglaterra. O sucesso é enorme. Cerca de 60% dos recrutados ficam na área da educação. Estive há pouco em Londres e visitei a King Solomon Academy, que faz um trabalho extraordinário. Lá, as crianças do 5° ano estão no nível das do 7° ano das escolas na vizinhança. Sou otimista quanto ao futuro. Os problemas da educação são muito parecidos em todos os países, o que significa que as soluções podem ser compartilhadas.

Se fosse possível copiar o sistema educacional de algum país, qual deveria ser o escolhido?
Wendy Kopp: Todo mundo está infeliz com seu sistema educacional. Na Coreia do Sul, quem diria, o nível de insatisfação é abissal. Falei com empreendedores sociais, estudantes, empresários, autoridades do governo. Todos dizem que o sistema está falido.

Mas, nas provas internacionais, os coreanos não estão entre os melhores?
Wendy Kopp: Os pais pagam para os filhos irem a academias privadas, que ensinam o que a escola regular não ensina. Os alunos entram às 3 da tarde e saem às 11 da noite. O dado relevante na Coreia é o poder de uma cultura que valoriza a educação. Se as crianças não estão aprendendo na escola, em algum outro lugar elas terão de aprender.

A senhora teve um professor favorito?
Wendy Kopp: Tive dois. Ambos me mostraram que meu potencial era maior do que eu imaginava. Por coincidência, os dois trabalhavam com a escrita. Sei escrever por causa deles. E escrever direito me serviu tanto na vida...

É verdade que a senhora coloca o despertador para 3 ou 4 da manhã?
Wendy Kopp: É verdade. Meu ideal é deitar às 9 da noite, e gosto de ter algumas horas para mim antes que as crianças acordem. (Wendy tem filhos de 13, 11, 9 e 5 anos.)

A senhora conhece os professores dos seus filhos?
Wendy Kopp: Lógico, conheço todos.

Fonte: Revista VEJA - Entrevista (Páginas amarelas) - Edição 2319 - Ano 46 - nº 18 - 1º de Maio de 2013 - Páginas 19-23 - Edição impressa.


OBS: Tiraram o link dessa importante reportagem, por isso a cópia.

Um comentário:

Solange de Castro disse...

Esta entrevista foi concedida à Veja, páginas amarelas, na edição de 1º de maio de 2013. Fica a indicação para a devida referência.